Archive for the ‘Poesia contemporânea’ Category

Cinco Sonetos

Monday, November 13th, 2017

 
 
 

Se estás a chegar, a ir-te embora
estende tuas mãos com as flores
fica o perfume na minha camisola.
 
As raízes vindo sob a areia
ocultas do sol buscando a água
abrem-se distantes da semente
em lugares de luz, aí bate o vento.
 
Outra árvore faz agora a sombra
onde nos sentámos rosto a rosto
as mãos presas nas sedas da camisa.
 
O velho cacto voltou a rebentar
no tronco seco já sem os espinhos
um pequeno punho humedecido
em breve abrirá noutra flor.

 

 

 

 

 

 

O ar fendido pela borboleta
quimérica e nocturna e de cor azul.

 
O pólen do voo tomba no rumor
das achas da lareira amortecida.
Vejo os teus olhos vindo para os meus
com a água da paz de termos visto
o mesmo arco de vida atravessar
o lugar onde estávamos sozinhos.
 
O actor voltará para o escuro
das larvas e da terra apodrecida.
 
No chão de brisas de poeira
o tumulto do mundo é um luar
sombrio e essa dor serena
leva de nós todas as dores.

 

 

 

 

 

 

Quero ouvir neste fim de tarde
o vento matinal daquelas folhas
na marítima varanda aonde abri
duas cadeiras de lona cor de malva.
 
O frio do crepúsculo, os pássaros
sem rota nas faúlhas das queimadas,
as sarrentas plantas dos beirais,
as crucificadas flores dos agaves.
 
O cão negro veio dos arbustos
com um pau de musgo para nós.
As borras do café nas chávenas pesavam
sobre as folhas prestes a voar.
 
Esse vento na pedra da janela
regressa como volta um morto.

 

 

 

 

 

 

Os mapas do fumo contra o sol.
Na casa vazia ardiam as viagens.
Os corpos encontrados repousavam.
Um madeiro preso nas marés.
 
O outro vindo de tão longe
para nesta praia de detritos.
A fonte bate nos rochedos.
 
Perigos e medos como nós de palha.
Essa torre arde, é um farol
na névoa de sangue. Sou eu.
 
Estou em casa. Já saí.
O meu corpo descobre no teu corpo
o perecível inimigo da ruína.
 
Erguem-se em precipício as teias.

 

 

 

 

 

 

A água desta rocha despediu-se
do saibroso vento do verão.
As asas da calhandra rasgam
o torvo silêncio do outono.
Um charco de torrões vermelhos
vibra atravessado de girinos.
As cigarras cravadas nos estrumes
amortalham-se na luz da neblina.
 
Abro a cancela do quintal.
Pela lama das folhas dos plátanos
atravesso o pátio que já foi
jardim e lago e quase floresta
e regresso à casa arruinada.
O sorriso a crescer das cinzas.

 

 

 

 

 

 

Joaquim Manuel Magalhães