Archive for January, 2018

Dia Alegre, Dia Pensante, Dias Fatais

Monday, January 29th, 2018

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Dia Alegre, Dia Pensante, Dias Fatais

Maria Filomena Molder

Relógio D’Água, Lisboa, Novembro de 2017

 

 

 

 

 

 

 

 

Albert Cossery

Wednesday, January 17th, 2018

Friday, January 12th, 2018

Take these who will as may be: I
Am careless now of what they fail:
My heart and mind discharted lie
And surely as the nerved nail

Appoints all quarters on the north
So now it designates him forth
My sovereign God my princely soul
Whereon my flesh is priestly stole:

Whence forth shall my heart and mind
To God through soul entirely bow,
Therein such strong increase to find
In truth as is my fate to know:

Small though that be great God I know
I know in this gigantic day
What God is ruined and I know
How labors with Godhead this day:

How from the porches of our sky
The crested glory is declined:
And hear with what translated cry
The stridden soul is overshined:

And how this world of wildness through
True poets shall walk who herald you:
Of whom God grant me of your grace
To be, that shall preserve this race.

Permit me voyage, Love, into your hands.

 

 

James Agee

 

 

 

 

 

 

O-Culto

Friday, January 12th, 2018

 

António Reis ocupa – talvez o seu súbito falecimento possibilite a tão esperada difusão dos filmes que realizou, mas em nada modifica a originalidade da sua postura, por isso faço questão de escrever no presente: os seus filmes permanecem actuais, exemplares como, a outro nível, os de Manoel de Oliveira, tanto mais que não têm sido imitados (a influência que o malogrado cineasta exerceu ou venha a exercer não permite de todo em todo que se fale de «escola») – um lugar absolutamente particular no cinema nacional na medida em que dinamitou os quadros estreitos do cinema documental ao qual se dedicou, introduzindo a ficção como modo de apreensão do real portador de história, de sonho, etc.; na medida também em que conseguiu manter-se fora dos quadros institucionais de produção (em especial do IPC), substituindo as limitações financeiras pelas relações afectivas – sempre intensas, donde uma situação marginal de constantes rupturas -; por último, na medida em que a sua obra continua a ser desconhecida do grande público, conhecida e reconhecida pelos meios cinematográficos de tal forma que os filmes engendraram um certo culto mas não suscitaram um verdadeiro discurso crítico.

António Reis, vindo da poesia e do militantismo político, transpôs as suas opções para a prática do cinema, conservando o mesmo grau de radicalismo: rodagens longe da capital, actores amadores, etc. Essas escolhas estão bem patentes no resultado: importância dada aos objectos, teatralidade assumida da representação – ficção não se disfarça -, imagens duma miséria que nunca é magnificada ou exaltada, duma natureza que não oferece nenhuma protecção e contra a qual os homens são obrigados a lutar quotidianamente sem que esse combate seja destruidor pois reconhecem a sua força telúrica e a sua beleza. O fascínio por uma natureza simultaneamente hostil e matricial já aparecia em JAIME – os lobos – e desenvolve-se nas longas-metragens, tendendo contudo a reduzir-se às paisagens, enquanto que o discurso verbal vai suplantando aos poucos aquilo que as imagens deixaram de denotar. Da história de JAIME, fechado na sua solidão, à ROSA DE AREIA, em que a história da humanidade é metaforicamente reduzida à necessidade de sobreviver ao desaparecimento do sol patriarca, António Reis conta sempre a mesma história de crianças abandonadas, mas alargando o sentido dessa ficção de filme para filme, dum homem para uma região, duma região para a humanidade inteira. E, no decorrer da sua obra, surge uma personagem nova que assegura, numa relação harmónica com a natureza, a sobrevivência: a mulher; é ANA como uma espécie de resposta à partida do pai emigrante de TRÁS-OS-MONTES, e ROSA DE AREIA em que as mulheres vêem reconhecido o seu labor e o seu sofrimento ao longo da história, votadas a evitar que os empreendimentos dos homens desaguem no holocausto definitivo, da expulsão do paraíso às modernas centrais nucleares. Isto é, as palavras, e mesmo as imagens, foram-se feminizando, para não dizer, grosseiramente, que o verbo deslizou do olhar poético para a visão feminista. Paralelamente, a encenação hieratizou-se, desligando-se do real filmado: a atitude que consistia em captar, por vezes decerto intuitivamente, uma força, uma luz que emanava dos próprios objectos e lugares, deu lugar, neste último filme, a uma certa construção em que a força é confiada ao discurso verbal – que assume a carga poética e metafórica – e à acção simbólica encenada, enquanto que os objectos e os lugares emprestam a sua beleza cenográfica sem determinarem o sentido das imagens. Em TRÁS-OS-MONTES, Reis dava provas duma singular capacidade de submeter as imagens ao «génio» dos lugares – a visita à casa senhorial, o conselho reunido no Domus de Bragança – às vezes em detrimento da sua perfeição formal, mas podendo – talvez por acaso, porém o talento poético e a modernidade do autor residem precisamente no facto de ter sabido conservar e colocar essas imagens – atingir o sublime: é o caso do plano final no qual se adivinha o comboio (da História?) que passa ao longe sem parar… Em ROSA DE AREIA, a composição dos planos parece mais dominada, mas concebida ao estrito nível intelectual e, por conseguinte, menos inovadora – i.e. inspirada em modelos pictóricos sobejamente conhecidos. Em contrapartida, a descontinuidade da montagem, que já se anunciava em TRÁS-OS-MONTES, fixa-se como princípio estruturador em ROSA DE AREIA; as cenas sucedem-se sem lugar outro que não o do discurso verbal; paradoxalmente, cada cena obedece a uma alternância tradicional de plano geral e grande planos ou até de campo / contracampo (o saborear do vinho sacrificial na presença do pai solar). Vista de fora, esta evolução parece-nos corresponder a uma influência, directa ou indirecta, mas crescente de Margarida Cordeiro, psiquiatra, esposa e co-realizadora de todas as longas-metragens. Todavia, para além do juízo crítico sobre os seus filmes, a lição de António Reis é acima de tudo a duma posição independente, assumida até às consequências de ocultação da obra. Reis, que à saída do Conservatório, pelas leitarias do Bairro Alto, de bom grado tomava atitudes paternais perante os jovens ou futuros cineastas, morreu e deixou-nos a braços com a angustiante situação arquetípica encenada nos seus filmes: a necessidade de ultrapassar o tempo e a morte, de prosseguir uma busca errante sem seguir as pegadas do pai desaparecido.

 

 

Saguenail

 

Revista A Grande Ilusão, n.º 13/14, págs. 13-14, Outubro de 1991 a Maio de 1992, Edições Afrontamento, Porto, 1992

 

 

 

 

 

 

Corpo que corpo outro

Sunday, January 7th, 2018

 

 

Trouxe à minha noite todos estes vermes

por um momento luminosos

 

recônditos e mudos a tudo interiores

suspeitam as ranhuras mais tépidas as ideias

mais suportáveis: traçam

um mapa de fibras sensíveis até às mais subtis

inquietações

 

o parco acolhimento por onde ainda conseguem

ínvios e tortuosos a todos os perigos

 

ao sono me entregam: poeiras

secretamente habitáveis.

 

 

 

 

Fernando Cascais

Scat

Fenda, 1982