Archive for March, 2018

Ítaca

Saturday, March 3rd, 2018

 

 

Quando partires de regresso a Ítaca,
deves orar por uma viagem longa,
plena de aventuras e de experiências.
Ciclopes, Lestregónios, e mais monstros,
um Poseidon irado – não os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho,
se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime
teu corpo toca e o espírito te habita.
Ciclopes, Lestregónios, e outros monstros,
Poseidon em fúria – nunca encontrarás,
se não é na tua alma que os transportes,
ou ela os não erguer perante ti.
Deves orar por uma viagem longa.
Que sejam muitas as manhãs de Verão,
quando, com que prazer, com que deleite,
entrares em portos jamais antes vistos!
Em colónias fenícias deverás deter-te
para comprar mercadorias raras:
coral e madrepérola, âmbar e marfim,
e perfumes subtis de toda a espécie:
compra desses perfumes quanto possas.
E vai ver as cidades do Egipto,
para aprenderes com os que sabem muito.
Terás sempre Ítaca no teu espírito,
que lá chegar é o teu destino último.
Mas não te apresses nunca na viagem.
É melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha,
rico do que foi teu pelo caminho,
e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.
Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
Sem Ítaca, não terias partido.
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.
Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.
Sábio como és agora, senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de Ítaca.

 

 

K. Kavafis

Tradução de Jorge de Sena

 

 

 

 

 

 

Thursday, March 1st, 2018

 

 

 

 

Sim menina
é do 3-0-5-9

do 3-0-5-9
dos meus nervos

Ah vida de servos
que me fina
quando lá fora há sol
ou chove

Se ao menos pudesse entornar tinta
rasgar uma folha de papel
sempre abrandava um pouco a Cinta
ou gozava noutra farsa de bordel

Mas não posso
Óculos e colegas me vigiam

E ao barulho do aparo ferrugento
enquanto pelos telhados gatas miam
vou sendo menos vosso
e mais jumento

 

 

 

 

***

 

 

 

 

Ode à Amizade

 

 

Vem canto branco da Amizade

Vem erguer-te em linhas novas transparentes mostrando o embrião do Sentimento

Vem canto branco da Amizade

Estende os teus braços de mulher com mãos de tentáculos e ventosas

Vem canto branco da Amizade
Vem

com mãos de tentáculos e ventosas mas sem ardil de sépia para fuga Sangue novo (e não importa a cor) estue nas tuas veias

Vem canto branco da Amizade
Vem

Fontes de crianças são ansiosas com punhados de Sonhos e de Beijos (Olha os lírios brancos Os cavalinhos de bazar)

Vem canto branco

Vem calar a Morte

Vem calar a pena de viver e almas novas plantar em cada sexo

Vem canto branco da Amizade

Vem descartar a Vida

Vem pastora núbil

Vem tanger com Compreensão e Sacrifício os Gestos sádicos dos Homens

Vem pastora núbil

parar o voo das setas de desporto e ligar as vias férreas das ideias

Vem núcleo preciso

Vem perpendicularmente cruzar as linhas paralelas das vontades

Vem núcleo preciso

ser o cérebro do Mundo em congestão

Vem núcleo preciso

há em teu andar uma Serenidade que convence

Vem núcleo preciso

há em teu andar uma Serenidade que convém

Vem mãe dos órfãos com mãe

convergir os pontos divergentes Ensinar aos Homens a última Geometria

Vem mãe dos órfãos

a patrocinar
a calar a Morte
a calar a pena de viver

Vem mãe dos órfãos

Sangue novo (e não importa a cor) estue nas tuas veias (Acabaram as cores raciais Os Homens-Irmãos as mataram na sua paleta velha O Arco-Íris agora é um diadema de luz única Há o céu azul do Amor para contraste)

Vem mãe dos órfãos
Vem

ensinar na prática aos meninos a conjugação de todo o verbo AMAR

Vem padroeira
Vem

Há milénios o Mar ciranda o mesmo canto Canto sempre verde Canto sempre verde e inflexível apesar da represa da Terra

Não virgem fértil
Não sejas estéril por pudor
Não fujas à vontade de entregar-te É humano o calor que te acicata

Abre
Abre a tua leiva ao sémen do nosso Sonho

 

 

 

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