Excerto de «O Julgamento de Lúculo», tradução de José Maria Vieira Mendes, Brecht – Teatro 5

 

 

5

 

A recepção

 

Coro

Desde que entrou que o recém-chegado
Permanece imóvel junto à porta com o capacete debaixo do
braço
Estátua de si próprio.
Os outros mortos recém-chegados
Estão sentados no banco à espera
Tal como antes também esperaram muitas vezes
Pela fortuna e pela morte
Na taberna, pelo vinho
E na fonte, pela amada
E no bosque, na batalha, até ser dada ordem.
Mas este recém-chegado
Parece não ter aprendido a esperar.

 

Lúculo

Por Júpiter
O que vem a ser isto? Estou aqui à espera
Por Roma, a maior cidade do globo, ecoam ainda
Os lamentos pela minha morte, e aqui
Ninguém para me receber.
Diante da minha tenda de guerra
Já sete reis me esperaram.
Que ordem é esta aqui?
Onde anda o meu cozinheiro Laso?
Um homem que mesmo com ar e mais ar
É capaz de cozinhar uma pequena delícia!
Se ao menos o tivessem enviado para me receber
Já que ele também está cá por baixo
Sentir-me-ia mais em casa. – Ó Laso
O teu borrego com louro e endro!
Carne de caça capadócia! Os lavagantes de Pontus!
E os bolinhos
Frígios com as amoras amargas
E as tuas especiarias de infinitas variedades:
Salva e azeitona
Tomilho, moscadeira e pó de canela
Que molhos, que saladas. Ó Laso!
Silêncio.

 

Lúculo

Ordeno que me levem daqui para fora.
Silêncio.

 

Lúculo

Tenho de ficar aqui com esta gente?
Silêncio.

 

Lúculo

Protesto. Duzentas embarcações
Artilhadas, cinco legiões
Avançavam ao mover do meu mindinho.
Protesto.
Silêncio.

 

Tertúlia

Senta-te recém-chegado
Esse metal todo que carregas, o capacete pesado
E a armadura devem cansar-te.
Senta-te então.

Lúculo não responde.

 

Tertúlia

Não sejas teimoso. Assim não resistes
Ao tempo todo da espera. Antes de ti ainda estou eu
Não se sabe quanto tempo demora o interrogatório ali dentro.
Compreende-se que o exame seja feito com atenção
A cada um para determinar se irá
Descer ao Hades sombrio
Ou subir ao Céu dos abençoados. Por vezes
O exame é curto, basta aos juízes um olhar.
Este, dizem eles
Levou uma vida inocente e foi capaz
De ser útil aos outros, pois é
À utilidade
Que eles mais valor dão. Vá, dizem-lhe
Vai descansar. Claro que com outros
O interrogatório dura por vezes dias inteiros, sobretudo com aqueles
Que aqui para o reino das sombras
Enviaram alguém antes
Do tempo. O que agora lá está dentro
Deve ser um instante. Um padeirozinho sem complicações. Já eu
Estou um pouco preocupada, no entanto tenho esperanças
De que entre os jurados lá dentro, tal como ouvi dizer
Esteja gente humilde que sabe muito bem
Como é difícil para nós a vida nestes tempos de guerra.
Digo-te uma coisa, recém-chegado…

 

Vozes de três anunciadoras interrompendo:

Tertúlia!

 

Tertúlia

Chamam-me.
Pensa bem em como te vais safar
Recém-chegado. – Senta-te!

 

Coro

O recém-chegado ficou quieto em frente às portas
Mas o peso das insígnias
A sua própria irritação
E as palavras amigas da velha transformaram-no.
Olha em sua volta para se assegurar de que está mesmo sozinho.
E aproxima-se agora do banco.
Mas antes de se poder sentar
Irá ser chamado. Para os jurados
Bastou olhar uma vez para a velha.

 

Vozes das três anunciadoras

Lacalo!

 

Lúculo

Chamo-me Lúculo. Desconhecem o meu nome por aqui?
Sou de uma famosa estirpe.
De homens de Estado e Generais. Só nos subúrbios
Nas docas e tascas dos soldados, e nas bocas conspurcadas
Dos ordinários e escumalha
Me chamam Lacalo.

 

Vozes das três anunciadoras

Lacalo!

 

Coro

E assim, depois de o chamarem várias vezes
Na linguagem desprezante dos subúrbios
Anunciou-se Lúculo, o General
Que conquistou o Oriente
Que derrubou sete reis
Que encheu Roma de riquezas
Já caía a noite, altura em que a cidade se sentava sobre os seus túmulos para jantar
Anunciou-se diante do mais alto tribunal do reino das sombras.

 

 

 

 

B. Brecht

O Julgamente de Lúculo

Teatro 5, Cotovia

 

 

 

 

 

 

Comments are closed.